sábado, 27 de junho de 2009

Pesquisas “antropológicas”, ou folclore, pois é ou não é?
(Sempre fico em dúvida entre dois ou mais títulos para os posts, daí resolvo dar dois como sinônimos)

Faz uns três meses que tivemos aulas de Khaleege, fiz umas pesquisas e só agora estou conseguindo escrever algo sobre o assunto.
O que encontrei no youtube foi miscelânea de espetáculos coreografados de escolas; shows de profissionais; gente comum, contemporânea, como eu e você, só que “do lugar”, ou melhor, dos Emirados, dançando em festas particulares tc. Estes últimos achei de grande utilidade, porque dá para perceber movimentos que se repetem e que não são tão utilizados em shows por aqui, creio que por serem modismos atuais locais, porém certeza com alguma base “de raiz”.

Um dos vídeos que achei legais mostra uma khaleege, com introdução lírica diferente e sofisticada, com especial destaque para o alaúde, ou oud, que é um show à parte em todo o arranjo. O cantor Al Wasmi, um galã low profile dos Emirados, tem uma bonita voz, e no vídeo mostra a relação de total respeito para com a mulher naquela cultura, que tem um papel digamos praticamente decorativo e idealizado ali. É também de certa forma a idealização da cultura Muslim, como se a mulher tivesse sempre um papel romântico e as relações fossem senmpre singelas e cavalheirescas. Soa estranho para a gente, mas na cultura de lá está tudo bem, ok? Preciso toda hora ficar dizendo isso pra mim quando estranho alguma coisa. É da cultura deles e pronto! Depreende-se pelas imagens que a mulher não está tendo um papel menor, mas sendo valorizada. A caracterização daquele povo e seus costumes, roupas, ambiente, falcoaria (mostrando a relação do homem com esses animais magníficos) é tudo que a gente imagina de legal para um show e que não conseguiremos reproduzir jamais. E a voz do moço é bonita mesmo; esse árabes são bons de canto. Segue o link:

http://www.youtube.com/watch?v=334rAP1GzCA

Mas o que mais me chamou atenção foram filmagens antigas, dos anos 60 e 70, mostrando um khaleege dançado pelos moradores de zonas rurais, um deles mostrando uma festa em que os homens dançam girando uns rifles! E as mulheres só girando cabelo bem longe deles. Desse não achei mais o link.
Nessa pesquisa deparei com um vídeo que nada tinha a ver com khaleege: era um grupo folclórico de mulheres marroquinas da zona rural dançando e tocando para comemorar o nascimento de uma criança.
Este tive que ver várias vezes. O que me prendia a atenção ali e eu não conseguia explicar ao certo não era a estética com certeza (que sou taurina, adoro um rostinho bonito, vejam bem que não quis dizer perfeito, o bonito tem que ter alguma estranheza, esquisitice, alguma assimetria, um defeito qualquer, senão fica monótono, entediante) e curiosamente também não era a dança em si.
Quando notei que era justamente um estranhamento que me capturava em tudo aquilo, percebi que estava indo no caminho certo (estranhamento é um conceito utilizado em teoria da literatura para analisar obras que fogem aos padrões estéticos e conceituais vigentes de sua época; minha ex-prof dessa matéria, e de quem todos tinham medo, hoje talvez ficasse orgulhosa de mim, porque naquela época ela me desprezava, e com certa razão, oh, vida! O que ela queria com relação às obras literárias “difíceis” e que pode ser aplicado aqui – no sentido de estranhamento em relação ao que é estética e culturalmente diferente para mim ‑ dá pra ser traduzido no seguintes termos: Está estranho, diferente, feio pra você, não é bonitinho, esteticamente familiar? Então larga de preguiça e encara essa bagaça! Tente decifrar e descobrir o que está por trás do negócio, e se no fim das contas você ainda quiser construir algo bonitinho e esteticamente familiar o problema é seu.).
Para o post não ficar completamente cabeçudo, vamos ao que interessa: na cena havia mulheres tocando percussão, demais! Percussão = poder, quem determina o ritmo é quem manda, é o chefe, né? Nosso coração que o diga. Mulheres cantando. Uma bailarina completamente fora dos nossos padrões, que até acrobacia fazia a danada. Ou melhor dizendo, o padrão lá é diferente do daqui. Com certeza por lá eu com meus modestos pneuzinhos seria considerada uma magricela raquítica e teria de engordar alguns quilos para tentar me enquadrar. Supuz que quisesse apreender o que há de autêntico ali, de visceral, espontâneo, embora saiba que jamais vá conseguir captar nem reproduzir aquela essência, pois aquela cultura não me pertence. (Uma relação parecida me prende atenção em algumas bandas de rock’n roll que têm, além de talento musical, sinceridade artística e política, espontaneidade, ainda que o som soe agressivo para muita gente.) Na cena desse grupo folclórico feminino, não há um grau zero de espontaneidade naquilo que seria quase um ritual tempos atrás, na medida em as pessoas sabiam que estavam sendo filmadas, para um documentário. Mas é como se ali estivesse precisamente uma das vertentes das origens da DV, algo muito diferente de como a conhecemos hoje, como dança performática, de espetáculo, coreografada, ou de cabaret, como queiram chamar. Além de tudo isso, também queria fazer redondos na vertical . Tremido que nada, ela faz círculos perfeitos com o bumbum, eu também querooo. Está no youtube como Moroccan Womens' Music and Dance Troupe, caso não o link abaixo não esteja disponível.
http://www.youtube.com/watch?v=HYazDOI1ook

Eu me sentia como um antropólogo ansioso revendo vezes e mais vezes a mesma cena. Claro que estou brincando, porque os antropólogos têm métodos de pesquisa sobre culturas diferentes e eu não tenho nenhum. Vou pela intuição e pelo meu lado emo: sinto que devo ir por aqui, sinto que não vou por ali, enfim, sinto muito, o que cá pra nós não é nada prático para pesquisar, mas a intuição tem lá a sua seventia. Apesar dessa total falta de direção metodológica, acho que dá pra aproveitar alguma coisa. No mais, se isso tudo que estudei tiver de reverter pra uma utilidade prática, como uma coreografia, usaria movimentos do pessoal contemporâneo “do lugar”, urbanos, os das baladinhas, que eu é que não quero causar estranhamento pelo menos no que diz respeito ao público da dança folclórica.
Representar o folclore de um povo diferente sempre terá algo de estranho, porque devemos deixá-lo esteticamente (figurino e movimentos) mais palatável ao público que não o conhece, não é?

Um comentário:

  1. Eita, cultura é sempre bom saber mais!
    Esse semestre Antropologia é uma das minhas cadeiras. Sempre me interessei por isso, pelas relações, pelas codificações da sociedade. São coisas que a gente pouco percebe, mas que rejem todo nosso ambiente.
    O folclore não é só a representação do povo. Ele é o povo. A cultura é a identidade sentimental dos indivíduos, por isso sempre penso que pra dançar um folclore, é necessário muita coisa. Meia duzia de passos não reproduzem um 'povo'. Traçam apenas uma caricatura borrada.

    :)

    beijooos!

    ResponderExcluir