sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Dançar exige exclusividade, ou não?

Dançar combina com trabalhar fora? Desde que não pude fazer mais meus horários por deixar de trabalhar em casa, não tive tempo de me dedicar tanto à dança, ensaiar, pesquisar coisas novas, estudar, montar coreografias. Como disse para a minha prof: "Não dá para fazer amostra na aula, estou zoada". O que para dançar quer dizer pouca energia, o que determina a fluência e pulsação dos movimentos, alongamento comprometido, músculos tensos e paradoxalmente flácidos, sem pique para estudar novidades, nem tempo para a academia, o que faz uma grande diferença, principalmente aos 40 e poucos.
Meu HD cerebral e tempo útil ocupado com coisas do lar e trabalho... como me dá nos nervos, não ter tempo suficiente para me dedicar às coisas da dança. Posso deixar de ir ao cinema, de ver mostras de arte, mas da dança eu não desisto, embora há tempos não veja nada que não seja DV, nem o balé da cidade fui ver. O que me valeu muito foi a primeira apresentação da minha filha no balé. A prof dela montou uma bonita e criativa coreo sobre o chorinho Odeon, de Ernesto Nazareth. As meninas dançaram com acessórios e mostraram uma desenvoltura impressionante para baby class. Isso prova que a filha é minha mesmo. Foi lindinha a danada, superconcentrada, e no improviso de agradecimentos mostrou-se graciosa, feliz, espontânea. Um senso de responsabilidade precoce ao ficar firme até as fotos, embora cansada, para desabar de sono no carro, durante a volta. Observo-a curiosa a fim de garantir que essa vontade parta dela, sem pressão da minha parte, somente o estímulo quando necessário.
Chego a ficar quase feliz toda vez que saio de um emprego e penso: agora trabalhando em casa poderei me dedicar mais à dança. O que em parte é verdade, é também equívoco, pois em casa se trabalha mais. Quando trabalho fora tenho a nítida impressão de que estou lá para descansar, pois o trabalho mais a administração da casa in loco requer tanta energia!
Como disse antes, estava triste porém quase feliz por ter sido descadeirada do último trabalho, mas outra editora já me ligou, o mercado editorial está fervilhando louco por mão de obra para a qual não tenha de pagar direitos trabalhistas... Dai fiquei feliz, mas quase triste de novo.
Mas já decidi dançar no fim do ano zoada mesmo. Que Terpsícore seja compreensiva me ajude a superar a falta de dedicação que normalmente tenho.
Oh, my!, sinto que estou queixosa e cansada. É fim de ano, sei, e queria férias, mesmo sem ter sequer um emprego decente...

sábado, 26 de setembro de 2009

Ainda a polêmica

Estou meio atrasada com o assunto, eu sei. Momentos de desânimo e desgosto toda vez que passava por esse blog abandonado. Com trabalho em tempo integral, freelas, casa para administrar e filhos (minha filha humana e meus cachorros) para dar atenção, não me deixavam nenhum tempo para blogar nem escrever nada nestes últimos meses. Quando deitava não tinha nem coragem de dizer “Jesus me abana”. A frase deve ser conhecida geral e talvez fazer parte de alguma novela, que eu não sei qual é, porque me confesso uma alienada para atualidades pop nacionais. Só leio notícias cabeçonas, política nacional e internacional, ciências e eventualmente notícias bizarras sobre sobre alguma celebridade que não interessam a ninguém. Sou nerd assumida, rsrs. Pois não tive nem tempo de responder a um e-mail que a Lulu Sabongi me enviou (e creio que a várias ou a todas as alunas da escola de que ela é dona e na qual faço aulas). Li a missiva via e-email e fiquei bege num primeiro momento, indignada num segundo e cautelosa num terceiro.
É claro que não é lá muito confortável falar sobre um assunto que diretamente não me diz respeito, mas o caso foi aberto a público pela própria protagonista, por isso creio que o que ela menos queria era abafar o caso. O que deve representar para a pessoa um lugar que ela viu nascer, trabalhou juntamente com outras pessoas para construir e da qual de repente se vê banida?
O que é profundamente lamentável nesse caso, mais do que tudo no meu ponto de vista, é que um lugar que representou o sonho na vida de muita gente tenha se tornado palco para um episódio talvez final e triste para uma história tão bonita. Será que eles (o ex-casal) têm noção do que a Casa de Chá representou para tanta gente? O sustento de várias famílias de pessoas que ali trabalharam, momentos de encantamento e beleza; para pessoas que, como eu, conhecem e frequentam o lugar desde os tempos da faculdade, e bota tempo nisso... A realização dos sonhos de tantas moças e mulheres que lá se tornaram bailarinas, hoje com um trabalho consistente e reconhecido. Para mim também a escola da Casa de chá foi muitas vezes refúgio para os momentos de estresse de um dia de trabalho difícil, do trânsito, das enxaquecas. Quando deitava nas almofadas fofas para relaxar antes de começar as aulas, ficava olhando para os tecidos leves que adornavam o teto e sentia que ali era o lugar que eu realmente devia estar naquele momento, transportava-me para um mundo de leveza e harmonia, completados depois pelas aulas, que melhoravam até mesmo meus enjoos da gravidez.
Então a gente via a Lulu se apresentando ora na casa, ora nos vídeos didáticos. Para mim ela era uma personagem das Mil e uma noites, dançando era, e é, um ser fora de padrões estabelecidos para este ou aquele conceito de dança. Em aulas, das poucas que fiz com ela, devido às suas muitas viagens internacionais, aprendia em um dia, movimentos que demorava meses para aprender de outra forma, de repente ela dava uma simples dica e como num passe de mágica, “puf”, o movimento saía. “Ah, mas se eu soubesse que era assim tão simples...” Isso era a didática dela, um dom de ensinar...
O momento em que passei a ver com cautela o episódio de ela ter sido, de certa forma, “demitida” da Casa que ajudou a construir, me deu impressão de ser um assunto muito pessoal, coisa de casal, lance de família que trabalha junto nos negócios e acaba misturando tudo, sentimento, business, whatever...
No entanto, já que assunto é publico no meio DV, que é uma arte que pratico há anos, embora não trabalhe com ela, e talvez por isso mesmo me sinta à vontade para comentar, achei importante expor minha opinião. A gente lê tanta coisa... de pessoas que nem sequer conhecem de um modo mais próximo, vejam que não disse íntimo, as pessoas envolvidas... Há pessoas que metem o pau na Casa de chá, nas bailarinas, na administração, na Lulu, no Jorge, por despeito ou por não concordarem mesmo com o método de trabalho deles. Ora, então que criem um lugar e o administrem conforme queiram; não gosta do jeito que a Lulu dança porque ela “dá muito giros”, como já li por aí? Ora, vá dançar melhor do que ela, com uma técnica que você aprove e tenha como boa e certa, como até já vi também acontecer. Só que em geral não é o que acontece. A galera adora falar mal de quem faz, mas fazer que é bom...
Independentemente de tudo o que já li sobre o caso, ela fez o que achou certo fazer, cada um reage aos revezes da vida a seu modo. Se ela chutou o pau da barraca, fez o que achou melhor. Se ele permaneceu na dele, fez o que achou certo fazer. Não cabe a mim julgar essas atitudes Quero mais é vê-la dançando, dando aulas, palestras, passando o conhecimento que tem. Outra coisa: também não acho que as bailarinas atuais da casa de chá sejam péssimas, careçam de técnica, porém na arte há muito de interpretação subjetiva e quase tudo depende do ponto de vista. Já vi gente que quer ser profissional de DV dizer que odeia folclore, e outras, como eu, que amam, mas não têm tempo de praticar, oh, a vida, apesar do reveses e polêmicas a vida continua...

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Aprendendo turquices, ou que aposentadoria que nada!


Sempre fico com uma energia incomum uma semana após uma festa em que danço, e caiu como uma luva a aula desta semana em que a nossa prof, ao anunciar uma misteriosa aula de chão em que deveríamos levar protetores de joelhos, resolveu nos ensinar umas turquices, o que para mim quer dizer aqueles movimentos de chão que as bailarinas turcas utilizam muito, com redondos e ondulações quase deitada ou deitada mesmo, usando o apoio dos braços, ou apoiadas no calcanhar ou joelhos, com giros com apoio dos joelhos ou sentada, etc. Fiquei toda empolgada, porque tirei minhas antigas joelheiras de futebol da época do street dance do armário, que devem ter uns 15 anos mais ou menos. Naquela época dos malabarismos do street e do jazz eu vivia toda roxa, porque os movimentos eram mais vigorosos e violentos mesmo. A prof e coreógrafa do grupo em eu dançava dizia que eu era muito delicada e meu street era "muito jazz". Esse comentário seria motivo de desespero pra muitos que dançavam street, mas era coisa que eu adorava ouvir, pois o jazz sempre foi uma paixão minha. Hoje, para dança do ventre acho que sou delicada de menos e tenho certa dificuldade com movimentos menos expansivos, mas vou levando tudo como posso. Os corpos têm diferentes estruturas e modos de expressão e depois que compreendi e assimilei isso, minhas neuras diminuíram muito.
Pra finalizar a aula, uma coreografia que usa muitos passos de jazz. Fico tão feliz de lembrar dos bons tempos do jazz, que apesar de véia, meu fôlego parece o de uma adolescente. Até a prof me olhava com ar algo pasmo e espantado. Parecia que eu tinha tomado algum energizante, rsrsrs. Com diz a música do Swing out sisters "I'm the same girl, who You use to know. Yes, I am, yes I am". E eu que após ver as fotos de qualquer evento em que danço sempre penso em me aposentar da dança! Passam por essa cabecinha oca coisas do tipo: "Ah tá na hora de fazer só umas aulas de academia, um alongamentozinho, uma yoga" Rapá... que aposentadoria que nada! Nunca me senti tão mais no pique do que agora! Vou dançar até o povo falar: "Olha lá que fofa aquela vovozinha dançando!"

sábado, 8 de agosto de 2009

Festa na Shangrilá!!!!!



Dia 15 de agosto (próximo sábado). O convite é 25,00, com direito a buffet de comidinhas árabes e bebidinhas.
Além destas atrações do banner (esses meninos são um luxo de bailarinos), euzinha também dançarei lá...
Em grupo: uma percussão de samba egípcio, do Sayed Balaha, um egípcio que adora ritmos brasileiros. Um flamenco árabe. As coreos são da Juli, minha prof.
Um solo. Ai... essa coreo é minha, pessoal, particular, rsrsrs

Vamos lá, vai ser divertidoooo!!!!
(Dando dois cliques na imagem dá pra ver o banner maior.)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Por que amo meus professores



Amo meus professores, até os que me fizeram sofrer, tanto os da escola, do mundo acadêmico, mas principalmente os da dança. Uma delas, hoje até famosinha na mídia, que me deu experiência de palco e me mostrou que eu era capaz de dançar, foi a que mais me fez comer o pão que o diabo amassou, mas sou grata a ela assim mesmo, porque o melhor nem sempre é passar a mão na cabeça da pessoa pra que ela melhore, no entanto isso me serviu de modelo de pessoa da qual eu devo me afastar assim que tomo nota da semelhança de atitudes. Aff, ninguém precisa sofrer tanto pra fazer uma coisa de que gosta. Tenho medo de coreógrafos que gritam tipo bravos. Não é só em filmes como Chorus Line e outros que eles existem. Estão por toda a parte. Sempre que tem ensaio geral de escolas cada vez que escuto um gritão de professor de outros grupos estremeço toda na cadeira como se fosse comigo. Aff! Ninguém merece! Mãs... comecei este post para falar bem dos mestres e não é que estou fazendo justamente o contrário?! Vamos lá, o professor em geral é um sujeito esforçado, ganha pouco, isso todo mundo sabe. Sei porque já dei aulas, tudo bem que era de redação e literatura, mas a realidade é parecida. Gasta-se muito tempo preparando as aulas, lida-se com as dificuldades alheias, em certos casos há que se tirar água de pedra e não é possível agradar a gregos e troianos. Claro que há compensações, a gente se envolve, há bons retornos, etc., mas o(a) professor(a) de dança tem de lidar com tantas variáveis: é o ego dos outros, o dele próprio, como é o caso de professoras que amam dançar e acham que é um favor tremendo estar perdendo os minutos preciosos do tempo delas com toscas iniciantes, que todo aluno iniciante em geral é tosquinho mesmo, assim como igualmente o são as coreografias desse nível, mas isso faz parte do show, o que é que se vai fazer? Perseverar mais um ano ou dois para subir mais um degrauzinho. Já tive também uma professora assim. Mas achava ela tão bonita, tão bonita e tinha uns braços flamencos maravilhosos que eu adorava admirar.
Além disso, as profs têm de ser maquiadoras, consultoras de moda, figurinistas, produtoras de shows, psicólogas-babás, consultoras sentimentais, fotógrafas, e ouvir cada pergunta, mas cada pergunta, que não sei de onde sai tanta falta de bom senso. É claro que o professor está na classe para responder questões teóricas sobre as quais supostamente ele deve ter conhecimento, mas não dá para bombardear o coitadinho o tempo todo, afinal também estamos lá para dançarrrr, e depois não custa nada pesquisar um pouco, não é mesmo?
Adoro ser aluna de qualquer coisa. As aulas clássicas daquele tipo em que o sujeito que sabe muito discorre sobre um tema com propriedade na pós eram uma terapia. Ficar ali sentada só absorvendo conhecimento. As aulas de dança são o que preciso para estar viva, para não adoecer, e para um monte de outras coisas úteis e vivificantes. E chova ou faça sol, gripado ou são o professor tem de estar ali. Tem de gostar muito mesmo, por isso amo meu professores. Já me pediram e falaram (leigos totais em dança é claro) pra eu dar aulas de dança no espaço deles x ou y, mas como sou encanada só conseguiria pensar em algo do tipo se fizesse um curso de formação para professores e tirasse DRT. Ai, que preguiça! Não do preparo das aulas em si, que imaginar como seria é até empolgante, mas da responsabilidade enorme que isso envolve. Mais ou menos como ser mãe: As pessoas veem aquela coisa fofa e saltitante e acham uma graça, mas quem não tem filho não imagina o que é o backstage dessa produção. Como bailarina não vou me profissionalizar. Até já pensei sobre, mas acho que não nessas alturas... gosto mesmo é de ser aluna e me apresentar com responsabilidade, mas sem obrigação.

sábado, 4 de julho de 2009

É tempo...


É tempo de recordar quem sou, recomeçando onde parei, na redação sobre o balão de são João e da árvore de natal que caiu sobre o meu irmão. Sonhar vaticínios sobre as águas e outras coisas. Por que parei? Foi porque quis, mas agora quero outra vez. Também pintar a casa, abrir as janelas, caiar os muros. Lavar o chão da cozinha. Secar ervas: manjericão, hortelã, sete-sangrias, para cozinhar e também tomar banhos com elas. Revolver a terra dos vasos, cuidar bem de todas as plantinhas. Transplantar as mudas. Esquecer de deixar tudo arrumado, nunca deixar a casa impecável. Não tentar estar impecável. Estar descabelada ao menos aos domingos. Sorrir para desconhecidos. Dar a mão para alguém e sentir o calor da pele alheia. Abraçar, sentir cheiros. Retomar leituras. Ir a uma festa de casamento familiar e encantar um estranho. Perambular pela casa de madrugada seminua no escuro e espiar a lua da varanda por entre frestas de arranha-céus e pegar ela com as mãos. Acender tranquila o incenso de maçã verde e meditar com meus lobinhos. Caminhar à noite como os lobos. Afiar as garras. Correr perigo. Tomar chuva e arrepiar de frio. Cozinhar e encher a casa, o andar, o prédio e o quarteirão de um cheiro irresistível. Dançar com outras mulheres, dançar muito, em casa, sozinha, até o limite da exaustão. Preparar a roupa e dançar em público. Dançar com alma, com o vento, esquecer da vida enquanto o que mais se faz é viver nesse momento. Cozinhar uma sopa de letras, misturar travessões, pontos e vírgulas e preparar-se para criar um novo mundo em noites menstruadas. Deixar florescer a velha sábia, a jovem obscena e a menina malcriada. Adormecer em sonos de outono e acordar entre folhas douradas.

sábado, 27 de junho de 2009

Pesquisas “antropológicas”, ou folclore, pois é ou não é?
(Sempre fico em dúvida entre dois ou mais títulos para os posts, daí resolvo dar dois como sinônimos)

Faz uns três meses que tivemos aulas de Khaleege, fiz umas pesquisas e só agora estou conseguindo escrever algo sobre o assunto.
O que encontrei no youtube foi miscelânea de espetáculos coreografados de escolas; shows de profissionais; gente comum, contemporânea, como eu e você, só que “do lugar”, ou melhor, dos Emirados, dançando em festas particulares tc. Estes últimos achei de grande utilidade, porque dá para perceber movimentos que se repetem e que não são tão utilizados em shows por aqui, creio que por serem modismos atuais locais, porém certeza com alguma base “de raiz”.

Um dos vídeos que achei legais mostra uma khaleege, com introdução lírica diferente e sofisticada, com especial destaque para o alaúde, ou oud, que é um show à parte em todo o arranjo. O cantor Al Wasmi, um galã low profile dos Emirados, tem uma bonita voz, e no vídeo mostra a relação de total respeito para com a mulher naquela cultura, que tem um papel digamos praticamente decorativo e idealizado ali. É também de certa forma a idealização da cultura Muslim, como se a mulher tivesse sempre um papel romântico e as relações fossem senmpre singelas e cavalheirescas. Soa estranho para a gente, mas na cultura de lá está tudo bem, ok? Preciso toda hora ficar dizendo isso pra mim quando estranho alguma coisa. É da cultura deles e pronto! Depreende-se pelas imagens que a mulher não está tendo um papel menor, mas sendo valorizada. A caracterização daquele povo e seus costumes, roupas, ambiente, falcoaria (mostrando a relação do homem com esses animais magníficos) é tudo que a gente imagina de legal para um show e que não conseguiremos reproduzir jamais. E a voz do moço é bonita mesmo; esse árabes são bons de canto. Segue o link:

http://www.youtube.com/watch?v=334rAP1GzCA

Mas o que mais me chamou atenção foram filmagens antigas, dos anos 60 e 70, mostrando um khaleege dançado pelos moradores de zonas rurais, um deles mostrando uma festa em que os homens dançam girando uns rifles! E as mulheres só girando cabelo bem longe deles. Desse não achei mais o link.
Nessa pesquisa deparei com um vídeo que nada tinha a ver com khaleege: era um grupo folclórico de mulheres marroquinas da zona rural dançando e tocando para comemorar o nascimento de uma criança.
Este tive que ver várias vezes. O que me prendia a atenção ali e eu não conseguia explicar ao certo não era a estética com certeza (que sou taurina, adoro um rostinho bonito, vejam bem que não quis dizer perfeito, o bonito tem que ter alguma estranheza, esquisitice, alguma assimetria, um defeito qualquer, senão fica monótono, entediante) e curiosamente também não era a dança em si.
Quando notei que era justamente um estranhamento que me capturava em tudo aquilo, percebi que estava indo no caminho certo (estranhamento é um conceito utilizado em teoria da literatura para analisar obras que fogem aos padrões estéticos e conceituais vigentes de sua época; minha ex-prof dessa matéria, e de quem todos tinham medo, hoje talvez ficasse orgulhosa de mim, porque naquela época ela me desprezava, e com certa razão, oh, vida! O que ela queria com relação às obras literárias “difíceis” e que pode ser aplicado aqui – no sentido de estranhamento em relação ao que é estética e culturalmente diferente para mim ‑ dá pra ser traduzido no seguintes termos: Está estranho, diferente, feio pra você, não é bonitinho, esteticamente familiar? Então larga de preguiça e encara essa bagaça! Tente decifrar e descobrir o que está por trás do negócio, e se no fim das contas você ainda quiser construir algo bonitinho e esteticamente familiar o problema é seu.).
Para o post não ficar completamente cabeçudo, vamos ao que interessa: na cena havia mulheres tocando percussão, demais! Percussão = poder, quem determina o ritmo é quem manda, é o chefe, né? Nosso coração que o diga. Mulheres cantando. Uma bailarina completamente fora dos nossos padrões, que até acrobacia fazia a danada. Ou melhor dizendo, o padrão lá é diferente do daqui. Com certeza por lá eu com meus modestos pneuzinhos seria considerada uma magricela raquítica e teria de engordar alguns quilos para tentar me enquadrar. Supuz que quisesse apreender o que há de autêntico ali, de visceral, espontâneo, embora saiba que jamais vá conseguir captar nem reproduzir aquela essência, pois aquela cultura não me pertence. (Uma relação parecida me prende atenção em algumas bandas de rock’n roll que têm, além de talento musical, sinceridade artística e política, espontaneidade, ainda que o som soe agressivo para muita gente.) Na cena desse grupo folclórico feminino, não há um grau zero de espontaneidade naquilo que seria quase um ritual tempos atrás, na medida em as pessoas sabiam que estavam sendo filmadas, para um documentário. Mas é como se ali estivesse precisamente uma das vertentes das origens da DV, algo muito diferente de como a conhecemos hoje, como dança performática, de espetáculo, coreografada, ou de cabaret, como queiram chamar. Além de tudo isso, também queria fazer redondos na vertical . Tremido que nada, ela faz círculos perfeitos com o bumbum, eu também querooo. Está no youtube como Moroccan Womens' Music and Dance Troupe, caso não o link abaixo não esteja disponível.
http://www.youtube.com/watch?v=HYazDOI1ook

Eu me sentia como um antropólogo ansioso revendo vezes e mais vezes a mesma cena. Claro que estou brincando, porque os antropólogos têm métodos de pesquisa sobre culturas diferentes e eu não tenho nenhum. Vou pela intuição e pelo meu lado emo: sinto que devo ir por aqui, sinto que não vou por ali, enfim, sinto muito, o que cá pra nós não é nada prático para pesquisar, mas a intuição tem lá a sua seventia. Apesar dessa total falta de direção metodológica, acho que dá pra aproveitar alguma coisa. No mais, se isso tudo que estudei tiver de reverter pra uma utilidade prática, como uma coreografia, usaria movimentos do pessoal contemporâneo “do lugar”, urbanos, os das baladinhas, que eu é que não quero causar estranhamento pelo menos no que diz respeito ao público da dança folclórica.
Representar o folclore de um povo diferente sempre terá algo de estranho, porque devemos deixá-lo esteticamente (figurino e movimentos) mais palatável ao público que não o conhece, não é?

sexta-feira, 5 de junho de 2009

O que rola debaixo da janela? Ou Essa música diz o que mesmo?

Então estava em uma palestra da Lulu Sabongi sobre as bailarinas egípcias dos anos dourados, Taheya Carioca, Samia Gamal, Naima Akef, etc. uma delícia de tema, que a gente pode ver vinte vezes que nunca é demais. E a certa altura o assunto caiu na tradução das músicas. A opinião dela e de outras bailarinas era a de que quando se pedia para algum árabe que sabe português traduzir, elas continuavam não entendendo nada porque supostamente o português deles não era lá essas coisas. Estava ali uma brasileira de origem libanesa ou algo assim e que sabia a língua. Como faz tempo que não vou a palestras, esqueci como me comportar, e justo eu nerd, cdf, que sempre me irritava quando ouvia papinhos paralelos em aulas, etc. Quem te viu e quem te vê... daí perguntei rapidinho pra moça: O que quer dizer "Taht il shibback"? Aquele clássico cantado por vários cantores famosos, amado por várias bailarinas, que a Dina praticamente dubla quando dança. Então, o que quer dizer? Daí não só ela como várias pessoas na sala, que ouviram a minha pergunta, responderam “Debaixo da janela!”, como se querendo dizer: Por onde você esteve esse tempo todo, como assim não sabe?” Fiquei querendo responder pra essa pergunta (imaginária) que fiquei esse tempo todo me virando pra aprender a como ser uma mãe decente para uma criança novinha, mas isso não vinha absolutamente ao caso. Daí perguntei, mas o que acontece debaixo da janela? Mas aí a conversa paralela da Lulu também acabou e ela deu sequência ao assunto principal, então não pude saber o que rolava embaixo da janela.
No blog Yallah! descobri que o site El Ojo de Orus tem essa música traduzida para o espanhol, o que já é alguma coisa. Há algumas músicas postadas no Youtube, da Nancy Ajran ou de outros pops famosos com letras em inglês ou português, e na net também dá para achar versões em português das mais famosas como Habibi ia Aini, porém me pergunto se são confiáveis essas traduções. No Dança do ventre Brasil, há muuuitas traduções de várias letras.
Quando comecei a fazer aulas sinceramente não me preocupava muito com isso. Com o passar do tempo o compromisso aumenta e daí a necessidade de saber o que se está dançando. Às vezes as professoras dão alguma frase ou linhas gerais de uma música, também em geral passadas rapidamente por algum amigo árabe ou descendente.
Porque sinceramente, por mais bellynerd* que eu seja, dificilmente vou me dispor a aprender a língua, não vai rolar, pelo menos não nesta vida. Creio que não haja muita solução, a não ser arrumar um conhecido árabe ou descendente que não tenha um português lá essas coisas, pedir para ele “traduzir a música”, e tentar fazer uma versão com o resultado. Queria saber se as outras pessoas também se ligam nisso, ou se só vão dançando conforme a interpretação do que a melodia da música passa.
*Termo que vi e adorei e avisei qeu ia adotar, no blog da Samara Da dança além do corpo.

domingo, 31 de maio de 2009

O que que as turcas têm II...


Elas têm a possibilidade de, ao virar uma esquina qualquer, dar de cara com o Tarkan, astro de música pop da Turquia, campeão de postagens de vídeos nos orkuts das bellydancers, parece que não só do Brasil, mas around the world... Ele não é só conhecido na Turquia, mas em Londres, na Alemanha, Bélgica, México, etc. Tem uma bela voz e, pelo que pude constar de pesquisas, manda bem ao vivo nos shows, não é um cantor só de estúdio. Estudou música em conservatório e compões boa parte das músicas que canta. É bonito, tem carisma, dança bem e rebola na moral. Já mudou o visual um sem-número de vezes ao longo da carreira, desde o metrossexual, o sou-sexy-porém-macho, o andrógino, dando margens a discussões sobre suas preferências sexuais, embora seja sempre visto com namoradas, werever.
Já teve composições musicais mais tradicionais, mas atualmente usa samplers de hip hop, rap e outros ritmos ocidentais em suas músicas, canta inclusive em inglês e adota um estilo pop bem comercial. Seus clips são bem produzidos, com roteiros interessantes e algo ousados, explorando as diversas facetas da sexualidade, mas nada nem de perto comparado ao que a Madonna já fazia, por exemplo, há mais de dez anos, na época do álbum Erotica. Mas com isso já dá para as fãs dele irem sonhando com esse pouquinho de pimenta.



Durante as buscas encontrei uma porção de blogs só sobre o cara, de fãs do Brasil, Alemanha etc., como existem de outros astros pop internacionais. No texto sobre a foto acima dizia que ele teve de jogar a camisa para se livrar de um bando de fãs ensandecidas. É uma febre. Então, me perguntei por que é que ele não me empolga tanto. Hum, vamos ver, talvez porque apareça nos vídeos muito arrumadinho, muito maqueado, muito penteado, tipo um dos Jonas Brothers para meninas adultas, rsrsrs.

Resolvi pesquisar mais e descobri duas coisas que achei interessantes, um vídeo mais antiguinho com músicos que tocam instrumentos tradicionais de percussão, que amooo (o ritmo me parece um tipo de khaleege), no finalzinho, com samplers de hip hop, que também gosto bastante. Ah vai, também me empolguei com a letra que alguma boa alma postou com legendas em português ("Ela é pura como o leite materno/ Ela é fresca como uma flor") não é fofo? Então já me conquistou um pouco mais, e a mordidinha na boca que ele dá quando canta, rsrsrs. Parece que ele se diverte com o ritmo enquanto dança e khaleege é uma delícia de dançar mesmo. E ele toca derbake no vídeo, ou pelo menos finge que toca, e tocar percussão é o poder! Pelo menos eu acho. Observem a loura dadivosa de minissaia no show, talvez uma espécie de Fifi Abdo local. No show ele fica suado, daí parece um ser humano de verdade. É só seguir o link, porque não consigo postar com janelinhas direto do youtube nesta joça.


Mas, vejam só, também é um artista engajado, lançou a campanha Terra Mãe, junto a uma fundação para presevação da vida selvagem e riquezas naturais da Turquia, e um vídeo com música sobre o tema, com um dos instrumentistas mais tradicionais e respeitados da Turquia, o Orhan Gencebay. E a música é bela (enquanto melodia e tals, porque de turco não entendo nada; as imagens sugerem que deve falar sobre a destruição da natureza e a necessidade de preservação, etc. E isso de não entender a língua das músicas que se dança renderá outro post).

Tarkan e Orhan Gencebey (Earth song) http://www.youtube.com/watch?v=SorsyXksX10

Tinha pensado em um post sobre imaginar um público ideal para dançar melhor, dica dada por vários professores e professoras de dança que eu tive. "Imagine o fulano ali e dance assim ou assado". A minha lista era encabeçada pelo George Clooney, seguida do Jonny Depp, Antonio Banderas, Jose Eduardo Agualusa (escritor angolano), Colin Firth, Vincent Cassel, Toni Garrido, o Gael Garcia Bernal, entre outros, e tenho certeza de que na lista das bellyoungers teria um lugar também para o Tarkan, mas daí tem de caprichar muuuito, né meninas, porque sabe como as turcas são esforçadas.





domingo, 17 de maio de 2009

O que é que as turcas têm...



Mas o que é que as turcas têm de diferente, além de uma das mais belas capitais do mundo, Istambul (um dos meus dourados sonhos de consumo turístico)? Não, não fui até lá, ainda, mas graças ao cinema (outro filme que vale muito a pena e falando de comida de novo, e de cena de dança de novo: O tempero da vida, 2003) é que pude ter uma ideia, e confirmar o que já tinha visto em fotos: o lugar é mesmo encantador.

Para introduzir o tema, vou narrar um lancinho que aconteceu comigo. No final do ano passado teve festa na classe (como boa aluninha que sou, depois de apresentações em teatros, é nessas festinhas na escola que mais gosto de dançar, porque me faz sentir como numa daquelas gravuras antigas orientalistas, que retratavam bailarinas dançando para um pequenino círculo de pessoas). Bom, daí preparei uma coreo com uma música baladi moderninha, da Nanci Ajram, com uma batida puxada para o disco latino, com um quezinho de brega. Contrariando os meus gostos por músicas classudas, românticas, dramáticas, etc., achei divertido fazer uma coisa diferente. Houve elogios das amigas no final e as pessoas sorriam e pareciam estar se divertindo. Ótimo, que esse era um dos objetivos e tudo caminhava bem até que em dado momento do negócio fui fazer uma graça pra alguém e perdi a entrada de uma batidinha, daí tive de improvisar toda aquela parte, e veio uma frase de impacto que eu não previra em improviso, só na coreo montada. Não havia nenhuma parte do corpo adequada naquela emenda, exceto a cabeça. O meu instinto foi usar o jazz amigo porque juro não conhecer movimento de cabeça na DV adequado para aquela situação. Que violência! Parecia haver baixado uma turca em mim. Pude notar a expressão de desaprovação instantânea nos semblantes de algumas colegas e até da prof eu diria, mas fui amenizando quando voltei ao modo egípcio-brasileiro de ser, que afinal esse é o estilo da DV que aprendemos: somos mocinhas cativantes, porém delicadas, bem-comportadas (item sujeito a controvérsias, rsrsrs), finas e sabemos muito bem o que estamos fazendo, porque os movimentos menores exigem mais técnica e por isso não precisamos barbarizar o público com uma apresentação retumbante e espalhafatosa, ok? Outras escolas em São Paulo têm muita influência das libanesas, um tanto mais espetaculosas, mas é um estilo, enfim, e deve ser respeitado e dançado... por lá mesmo, nas outras escolas e demais ambientes em que tenha boa receptividade.

Quando acabou, pensei: eu parecia uma turquinha maluquete dançando, não fiquei satisfeita e me senti culpada até. Mas por que é que se fala assim das turcas e também de algumas libanesas? E por que tinha de me sentir culpada por parecer “uma turca dançando”? Tudo bem que já tinha assistido a uns vídeos de bailarinas turcas, que pareciam estar fazendo assim uma espécie de apresentação de ginástica artística, com espacates impactantes, movimentos de braços e tronco brutos e repetitivos pontuados aqui e ali por um shimie ou ondulações tipo iogues, um medo total, fora o figurino, que deixava muito a desejar, quer dizer, literalmente deixava muito corpo exposto a ser desejado. Não que haja nada de errado com um corpo exposto, em balé moderno se dança até de lingerie e ninguém liga, já vi bailarinos dançando nus. Só que essa nudez se encaixava no contexto da obra (no entanto, lembro que apesar do excelente nível e profissionalismo dos bailarinos, o espetáculo em si foi uma chatice). Voltando à DV, a dança das turcas que vi não se parecia em nada com a dança do ventre que conhecia até então. Daí fui pesquisar na net sobre essas bailarinas e descobri um texto bem informativo sobre as bailarinas turcas no site da Lulu Sabongi, que traduziu textos de pesquisadores sobre o tema (livro A dança do ventre oriental, escrito por Kemal Ozdemir); e também pelo Arabesc. O público de lá espera isso delas, tanto no que diz respeito ao figurino quanto à dança. Para eles esse é o normal, embora A DV não seja vista com bons olhos pela própria cultura local na Turquia, e só algumas poucas bailarinas é que têm destaque e são respeitadas. Um exemplo desse estilo de figurino é a Princesa Banu, na foto a seguir, uma bailarina de sucesso nos anos 80, que era uma intérprete do estilo clássico egípcio, com influências turcas.




No meio da pesquisa tive uma surpresa ao descobrir por meio do Arabesc, com vídeos disponibilizados no Youtube, outra bailarina turca que fez sucesso nos anos 70 e 80, a Nesrin Topkapi, com um estilo suave e totalmente diferente de dançar das suas compatriotas. Segue uma gravação de programa de TV em sua homenagem, quando já aposentada da dança, fez uma derradeira apresentação. A música é linda e a interpretação emocionante. Que leveza e maestria com os véus sem precisar girar à velocidade da luz.

Nesrin Topkapi

Daí me encantei mais ainda quando vi outra gravação da Nesrin mais jovem e graciosa, com um figurino e cabelos estilosos, sem deixar o corpo todo à mostra. Nem precisava, porque a mulher já era um escândalo de sensualidade mesmo bem vestida. Mas... em dado momento ela realiza um movimento de contorcionista com os braços, que afinal algum padrão esperado das bailarinas turcas ela tinha de ter.

Nesrin Topkapi jovem http://www.youtube.com/watch?v=X8s2OT5D4w8

Agora, um exemplo da bailarina turca propriamente dita, conforme dança e figurino, Sibel Baris, com grande destaque na Turquia atualmente. Cada um tire as próprias conclusões, rsrsrs...

Sibel Baris http://www.youtube.com/watch?v=tDuSO2_FjNk

Mas por que as turquices alheias me incomodam tanto? Por um lado, se na escola que a gente aprende ensinam que o jeito egípcio de dançar é que é o must já é um bom motivo, não é? Por outro, não seria algo assim como uma espécie de “quem desdenha quer comprar”? Será que critico os malabarismos e contorcionismos justamente porque não conseguiria fazê-los? Até já fiz aulas de trapézio em circo, porém não tenho uma superflexibilidade como gostaria, a minha sempre foi apenas razoável. Que o bailarino é antes de tudo um atleta está ok, mas terá de ser também um ginasta? Na expectativa do público da Turquia parece que sim. Pra mim estaria tudo bem com isso, desde que houvesse algum tipo de emoção envolvida. Da minha parte prefiro o bailarino que seja também um ator, que expresse algo além da mecânica de um movimento. Qual é a intenção de uma apresentação de dança? As possibilidades são inúmeras: alegrar, divertir, contar uma história, apresentar folclore de um povo diferente, fazer o público viajar a um lugar para o qual nunca foi, apresentar uma personagem, seduzir, comover, encantar, o que for, mas não me interessa muito como espectadora a intenção seguinte “olha só o que consigo fazer com meu corpo, consigo segurar o pé de costas e deitada, de ponta-cabeça”, etc. Por exemplo, não me animo com a dança da Didem, uma superstar atual da Turquia, ela é fofa, lindinha e tudo, mas não me dá vontade de assistir até o final da apresentação dela, porque parece muito precisa, impecável demais, a técnica acima de todas as coisa, etc.
No entanto, é lógico que há que se respeitar as culturas e as expectativas dos diferentes públicos de dança.
Quando me pego criticando algo que o outro faz sempre me pergunto se eu conseguiria fazer algo parecido ou melhor. Se a resposta for “consigo, mas não gosto e não quero fazer assim, não me agrada, etc.”, daí vejo que está tudo ok. Se a resposta for negativa, trato de tentar entender se a crítica procede, me pôr no meu devido lugar, mas pensando bem pode ainda haver a opção "Mesmo se pudesse fazer não faria assim." E vcs, hein?

sábado, 2 de maio de 2009

O segredo do grão



Assisti semana passada a um filme que enfoca relações familiares e de amizade em uma família francesa de origem árabe. Tudo bem que é de 2007 e muitos já devem ter visto, mas minha natureza é lenta e depois que virei mãe fiquei mesmo desatualizada em relação à indústria cultural no mundo, pelo menos a adulta, ha, ha. Dirigido pelo tunisiano Abdellatif Kechiche, o filme é premiado com quatro Césars, uma espécie de Oscar francês. Sempre dei mais atenção ao que os supostos inteligentes franceses pensam sobra as coisas do que os supostos inteligentes americanos, a não ser que esses americanos sejam, por exemplo, o George Clooney (que não sou tão bobinha assim...), o Robert Altman ou o Noah Chomsky, e mais recentemente o Obama. Fui doutrinada a pensar assim na faculdade e as evidências não me levaram até hoje a deduzir o contrário. Tenho preconceito contra o star sistem e a mídia estadunidense, mas é claaaaro que se acontecesse um milagre comigo semelhante ao que ocorreu com a escritora do Harry Poter me venderia rapidinho. Aquela mulher é testemunha de que milagres existem, mas isso renderia outro post: sobre mães em dificuldades, etc. É impressionante a minha capacidade de divagar sobre outros assuntos que rondam o tema principal. Vamos voltar ao que interessa: Por que é legal quem faz DV assistir a O segredo do grão? Porque é bom tentar entender um pouco da cultura na qual se insere uma arte que praticamos, não é mesmo? O filme aborda alguns aspectos da vida dos imigrantes de origem árabe de classe média na França, primeiro a culinária (pensei que ia desvendar o segredo do preparo do famoso cuscuz marroquino, que acaba sendo praticamente uma personagem da história, tal a sua importância no enredo). Segundo, a música, ah, como é emocionante reconhecer algumas que são tocadas pelos músicos de verdade, idosos moradores do mesmo hotel e amigos do protagonista, um aposentado trabalhador das docas, cujo sonho é abrir um restaurante em um barco. Com certeza, ao assistirem ao filme, pessoas que sejam de alguma forma envolvidas com a cultura árabe também reconhecerão a maioria ou pelo menos algumas canções tocadas com instrumentos tradicionais. Terceiro, porque dá para perceber que as relações familiares, ainda que se deem em um país ocidental e em tempos atuais, ainda são permeadas de atitudes machistas. Quarto, a dança do ventre em si, ainda que apareça só no final do filme, de maneira despretensiosa e sem o glamour que cerca os shows a que estamos habituados, é dançada de forma visceral e usada como tentativa de instrumento de salvação. A história mostra personagens semelhantes a pessoas de carne e osso. Todas as emoções e dramaticidade que tentamos sentir nas canções (nós que não sabemos a língua árabe), estão lá: o amor, a mágoa, a raiva, solidão, tristeza, luxúria, solidariedade, alegria, impotência diante dos fatos. Filmado de maneira que em alguns momentos se assemelha a um documentário, o filme é comovente ao extremo, para os que se permitem ainda comover com as mazelas alheias, além das próprias nos dias de hoje.